terça-feira, 19 de março de 2013

Arte Maior Galeria lança livro sobre o legado de Reynaldo Fonseca

“O senhor é muito egoísta” foi a única frase que tirou a serenidade do artista plástico Reynaldo Fonseca, em entrevista na manhã desta segunda-feira. O xingamento veio depois da confissão de que seus trabalhos preferidos nunca são disponibilizados para venda, como a série em bico de pena, exposta ao público pela primeira vez no livro Reynaldo Fonseca, da Arte Maior Galeria. São 256 páginas com obras de toda a carreira, inclusive os primeiros desenhos, feitos quando tinha apenas cinco anos. O senhor de 88 anos gargalhou quase sem fazer barulho, no mesmo tom calmo de sua fala. “Mas agora está no livro”, desvia.

Reynaldo Fonseca é o maior colecionador dos próprios quadros, facilmente identificáveis pelas figuras humanas com formas arredondadas, olhares serenos e tons terracota. O apartamento onde mora, em Setúbal, é uma espécie de galeria de arte, com obras expostas em todas as paredes, rodeadas por móveis de madeira. Todos têm mais de 100 anos, garante. “Esses quadros meus eu não vendo. Uma vez eu vendi um quadro meu, porque a pessoa disse que adorou e queria de todo jeito. ‘Dê o preço’. Aí eu botei o preço lá em cima. ‘Pois não’. Pegou o cheque e passou”, recorda o artista plástico, que também não empresta as peças para exposição. “O Santander estava querendo fazer uma mostra com minha coleção de quadros. Não faria jamais. Estraga os quadros”, sentencia. Obras suas são vendidas por até R$ 70 mil. De acordo com o marchand Sérgio Oliveira, um quadro de 60cm x 80cm custa R$ 40 mil.

No primeiro andar, fica a piscina, onde faz ginástica, e o ateliê, sem nenhuma mancha de tinta no piso de pedra ou pincel fora do lugar. Os únicos objetos que parecem fugir a um local definido são as centenas de edições da revista francesa Connaissance des arts (Conhecimento das artes) e os livros de arte. Diego Velázquez, Rembrandt e Balthus são os pintores preferidos. Daqui, cita os amigos Francisco Brennand, Lúcia Helena, José Cláudio, Samico, Tereza Costa Rêgo, além de Vicente do Rego Monteiro, Murillo La Greca e o paulista Candido Portinari. Em meio ao material de trabalho, nas fotos dos sobrinhos-netos, a mais nova, Maria Valentina, de apenas um ano. A festa de aniversário foi no domingo, mas ele não foi. Em apenas uma das paredes, quadros que ganhou de amigos - nunca comprou um.

Ele anda e fala devagar e, há 70 anos, trabalha diariamente, das 8h às 17h, no primeiro andar da cobertura onde mora, na zona sul. Não sai de casa há mais de um ano e não garante presença no lançamento do livro dedicado à sua obra, hoje. “Vou fazer o possível”, promete. Todos os dias, almoça precisamente às 12h30 e janta às 18h30, rotina seguida das novelas (todas), ao lado do escudeiro Gilvan, funcionário há 20 anos, e do Programa do Jô. Dorme pouco, mas não tem hora certa para acordar.

Figuras anônimas, recortadas de revistas e jornais (que lê apenas aos domingos, quando tem tempo), servem de inspiração para as pinturas, a maioria em óleo sobre tela. Uma senhora com um livro na mão transforma-se em uma jovem lendo. Um quarteto de músicos vira um casal tocando. Uma ligação remota e sutil, que faz sentido apenas com a explicação do mestre ermitão.

Veja vídeo com imagens da casa do artista e sua coleção de quadros.

SAIBA MAIS
Reynaldo Fonseca nasceu no dia 31 de janeiro de 1925, no Recife. Mudou-se para Campina Grande com cinco anos, quando começou a desenhar. “Meu pai dava bicicleta para o meu irmão mais velho; eu preferia caderno de desenho, lápis, aquarela”.

Com apenas 11 anos, ingressou na Escola de Belas Artes, onde frequentou aulas de Mário Nunes, Baltazar da Câmara, Murillo La Greca. Não poderia, por causa da idade, mas convenceu o diretor com uma série de desenhos. Depois, foi professor por 10 anos.

Reynaldo se relacionou com a Sociedade de Arte Moderna, idealizada por Hélio Feijó, e o Ateliê Coletivo, de Abelardo da Hora, mas não foi integrante deles. “Uma vez, José Cláudio, que era terrível, colocou bigodes nas obras de todo mundo. Ainda bem que não tinha nada meu lá”, recorda, rindo.

Candido Portinari foi seu mentor no Rio de Janeiro, na década de 1940. “Semanalmente, mostrava-lhe o que tinha feito, e ele comentava, me dava conselhos sobre técnica, o material a usar e até como deveria preparar a tela”. Voltou ao Recife por saudade da terra e da família.

A primeira individual de desenhos e pinturas foi em maio de 1945, no Grande Hotel Recife, com 33 trabalhos. No catálogo, Reinaldo Fonseca, com “i”, em vez do correto “y”. A última foi em 2010, no Espaço Brennand.

SERVIÇOLançamento do livro Reynaldo Fonseca
Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Avenida Rui Barbosa, 960, Graças)
Quando: Hoje, às 19h
Quanto: R$ 90 (lançamento); R$ 120 (nas livrarias)
Informações: (81) 3184-3174

Veja galeria de fotos:
Foto: Teresa Maia/DP/D.A.Press
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Foto: Teresa Maia/DP/D.A.Press
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